sábado, 15 de dezembro de 2012

O ciclo do Pão nas terras da beira raiana(3)




2.1-  A DECRUA



A preparação da terra para a sementeira das cearas é um processo que demora por norma um ano com a sobreposição casual de algumas tarefas duma fase com a outra.
Isto é, está a semear-se uma tapada e, na mesma altura, noutra parcela de terra está a lavrar-se  a primeira vez a terra para  começar a prepará-la para no próximo ano poder ser semeada.

Quando se lavra a terra pela primeira vez num ano com a finalidade de ela ser semeada no próximo, o trabalho e esforço realizados são grandes principalmente se essa tarefa ocorrer, o que não é vulgar, antes das primeiras chuvas. Aí a terra está muito dura, pois não é mexida pelo menos há um ano. Isto é: nos solos pobres da beira interior, é necessário que as terras, depois de cada cultura de sequeiro por norma centeio, cevada ou mesmo trigo descansem pelo menos um ano. Trata-se de permitir que sejam adquiridos de novo pela terra os nutrientes necessários para que a futura cultura possa ter algum sucesso.

A essa tarefa de lavrar pela primeira vez a terra chamava-se a “decrua”. A decrua era assim a transformação da terra que estava crua, dura, noutra coisa menos crua.                                                                                           
Imagens da decrua
Terra decruada
                                             

Quando a decrua ocorria depois das primeiras chuvas, a terra já se encontrava húmida e pois isso mais fácil de realizar a tarefa. Mas mesmo assim a terra tinha assentado fruto de um ano de descanso ou poisio. Se porventura ainda não tinha chovido a tarefa era mais dura quer para os animais quer para as pessoas que conduziam a tarefa.

Na decrua não se lavrava a terra de forma miúda, mas sim grossa. Isto quer dizer que não ficava totalmente revolvida a ceara. Lavrava-se grosso. Lavrar grosso consiste em abrir sulcos na terra separados o suficiente para formar umas mini-montanhas longitudinais a que se chamam gomas e deixar os regos abertos.  A razão principal, tanto quanto sei tem a ver com o facto de, ao lavrar grosso e se deixar os regos abertos consegue-se decruar mais terra no mesmo tempo do que se estivesse a lavrar miúdo.

Por outro lado acabava por não haver total remoção da terra desse campo nesta tarefa o que permitia que, com o inverno a terra não removida ficasse ela própria mais mole pois passava a ter as duas zonas laterais de cada goma expostas quer à chuva quer ao vento e ao frio.

Nos casos em que se decruava um terreno que dois anos antes tinha tido centeio, aproveitava-se para fazer a decrua desfazendo os regos ainda existentes mas meio estragados o que facilitava a tarefa pois a medida da largura dos regos estava definida à partida. Neste caso os regos eram feitos pelas gomas que se transformavam em regos e os regos ficavam transformados em gomas depois de duas gomas consecutivas terem sido lavradas.

A decrua era uma tarefa que era realizada no outono e inverno por razões que todos percebemos. Quem não perceber experimente a decruar um terreno em Julho ou Agosto e não terá dúvidas qual a melhor altura do ano para decruar, isto para além de, como se disse as terras terem momentos próprios para ser mexidas directamente ligados com o ciclo anual das sementeiras.

Não faz por exemplo sentido lavrar um terreno pela primeira vez em Setembro e semeá-lo em Outubro. No caso de haver dúvidas experimente-se.

As tarefas do mundo rural, quase todas têm razões próprias para serem feitas
desta ou daquela maneira, neste ou naquele tempo, razões que têm sempre a ver com a produtividade e com o esforço dispendido.
Continua…..

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