domingo, 24 de março de 2013
sábado, 16 de fevereiro de 2013
O ciclo do Pão nas terras da beira raiana (4)
2.2- A ESTRAVESSA
Esta fase de tratamento da terra
destinada a receber a sementeiras de centeio e outros cereais, era executada
por norma durante a primavera quando as chuvas já começavam a rarear e a terra
já podia ser lavrada.
E que com a terra muito molhada
não se consegue lavrar por razões óbvias.
Com esta fase, garantia-se que
toda a terra havia já sido removida salvo pequenas porções que ficassem entre
os dois regos.
Na verdade, ao lavrar, no mesmo
sentido aquilo que anteriormente tinha sido lavrado mas agora fazendo os regos
onde antes tinham sido feitas as gomas e vice versa conduzia a que tudo fosse removido
pelo menos uma vez.
2.3-A TRAVESSA (travessar ou terçar)
Já no princípio do verão e às
vezes durante e até Setembro fazia-se a travessa. Travessar a terra era nada
mais nada menos do que voltar a lavrá-la mas agora, que já tinha sido decruada
e estravessada e tinham sobre ela passado vários meses com chuva, vento, etc, a
tarefa era mais leve, pois não estava dura.
A terra era lavrada atravessando
os regos que tinham sido feitos na decrua e na estravessa por norma de forma enviesada.
É que se a travessa fosse feita a 90º relativamente aos regos da decrua e
estravessa para além de ser mais difícil
para o homem e animais não se conseguia uma remoção tão uniforme. De qualquer
modo, depois da travessa aqueles regos ficavam todos desfeitos.
Na Travessa lavrava-se com arada miúda a terra que tinha já sido
lavrada duas vezes.Lavrar miúdo é fazer com que cada rego seja executado de tal
modo perto do anterior que a terra que se revolve tapa-o quase completamente deixando uma pequena goma. Fácil é perceber
que esta tarefa demorava mais tempo que as anteriores, mas por outro lado era
mais fácil quer para o homem quer para os animais, pois a terra já estava
amolecida com as anteriores fases.
Era na travessa, quando era feita
cedo, no fim da primavera que se aproveitava também para semear em terras mais
“fortes” o milho de sequeiro que apenas se utilizava, em Setembro, para os
animais comerem quando se estava na sementeira.
A Estravessa |
Em fins de Setembro e Outubro é
altura de dar a ultima volta à terra antes de a mesma ser semeada.
Esta volta já não consistia em
lavrar mas sim em alisar a terra que tinha sido lavrada anteriormente, por
forma a permitir a sementeira.
A terra era alisada pelo menos
por duas razões: Por um lado, ao revolver a camada superficial com o alisamento
feito pela grade lisa provocava novo arejamento, já que como se disse a terra
tinha sido traçada e estava em sulcos de dimensão não muito pronunciada.
Por outro lado, a terra era
alisada para garantir que a distribuição da semente que se iria espalhar era o
mais possível uniforme. Se a terra não estivesse lisa, à medida que fosse
espalhada a semente esta teria
naturalmente tendência para escorregar para o fundo dos regos acumulando-se aí
e deixando a zona das gomas sem semente.
Por tudo isto e para garantir a
uniformidade na distribuição da semente a terra era alisada.
Se a ceara era muito grande, não
se gradeava tudo, apenas a parte que se conseguia semear naquele dia ou no
seguinte. Como estas tarefas deviam ser efectuadas em curto espaço de tempo não
era muito invulgar haver uma junta de vacas a gradear e outra depois a lavrar
semeando, tendo de permeio o semeador a espalhar o grão.
O gradear era efectuado ou com
uma pedra em cima da grade virando esta com os dentes para cima como se vê na
imagem abaixo
Gradear |
ou, com o lavrador com os pés em cima da grade, com uma
das mãos a segurar o rabo de uma das vacas e com a outra segurando a aguilhada
para orientar os animais.
2.5 – Semear
Para semear o centeio havia
várias operações que se tinham que realizar. Desde logo era preciso espalhar a
semente. E espalhar a semente num espaço grande como por vezes acontecia
requeria que se tivessem certos cuidados para garantir a tal uniformidade possível
na distribuição do grão na terra.
Colocavam-se por exemplo, marcas
delimitadoras de zonas que um homem podia garantir o espalhar do grão,
deslocando a mão cheia para um e outro lado â medida que avançava de pé pela
terra adiante. As marcas podiam ser ramos espetados no chão, que agora estava
mole, ou mesmo pedras de pequena dimensão colocadas umas em cima das outras.
Espalhado o grão, era altura de
iniciar a sementeira, lavrando agora grosso. Lavrava-se grosso na sementeira
para garantir que o grão ficava enterrado e mais ainda para garantir que ficava
na parte mais elevada das gomas, embora coberto de terra. No fundo este tipo de
arada formava as gomas de forma a terminarem em triângulo e por isso garantia
que nos regos não ficava grão e que este era enterrado nas gomas por força do
revolver da terra com as aivecas do arado que aqui eram grandes.
Era uma altura em que os
lavradores faziam juz à sua habilidade maior ou menor para produzir regos
perfeitos e direitos, originando, quando isso acontecia, verdadeiras obras de
arte agrícola que se mantinham até à ceifa. A forma como cada um mostrava a sua
ceara denotava maiores ou menores atributos para a execução daquela tarefa e
até era, por vezes, motivo de vaidade e orgulho, e de comentário entre todos,
sempre.
Seara Semeada |
Quando a dimensão da ceara
originava regos com uma dimensão apreciável era necessário prevenir as
invariáveis chuvadas que chegariam no inverno e por isso se faziam verdadeiras
obras de hidráulica nas cearas para evitar o desmoronar dos regos e o estragar
das cearas pelas enxurradas. É evidente que estas alterações na forma de lavrar
as cearas nada têm de especial e não existe uma receita para as distâncias em
que devem ser executadas, dependendo de vários factores que o lavrador melhor
que ninguém conseguia avaliar em cada caso: comprimento dos regos, inclinação
do terreno, pluviosidade do local, consistência da terra, etc.
Bem mas em qualquer
circunstância, e com uma dimensão dos regos na ordem da centena de metros era
sempre necessário fazer regos que atravessavam os primeiros e conduziam a água
para local adequado e que não danificasse a ceara. Aliás, quem quisesse ver o
que acontecia se assim não procedesse só o via uma vez pois na seguinte
fazia-o.
Quando a água das primeiras
chuvas aparece, com o centeio ainda muito pequeno é evidente que cada rego se
transforma num pequeno rio. Se o rio não for interrompido quando a água chega
ao fim a sua quantidade é tal que provavelmente destrói os regos
Essa a razão fundamental para tal
procedimento.
JFernandes (Pailobo)
(continua….)
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