sábado, 16 de fevereiro de 2013

O ciclo do Pão nas terras da beira raiana (4)


2.2- A ESTRAVESSA


Esta fase de tratamento da terra destinada a receber a sementeiras de centeio e outros cereais, era executada por norma durante a primavera quando as chuvas já começavam a rarear e a terra já podia ser lavrada.
E que com a terra muito molhada não se consegue lavrar por razões óbvias.
Com esta fase, garantia-se que toda a terra havia já sido removida salvo pequenas porções que ficassem entre os dois regos.
Na verdade, ao lavrar, no mesmo sentido aquilo que anteriormente tinha sido lavrado mas agora fazendo os regos onde antes tinham sido feitas as gomas e vice versa conduzia a que tudo fosse removido pelo menos uma vez.

2.3-A TRAVESSA (travessar ou terçar)

Já no princípio do verão e às vezes durante e até Setembro fazia-se a travessa. Travessar a terra era nada mais nada menos do que voltar a lavrá-la mas agora, que já tinha sido decruada e estravessada e tinham sobre ela passado vários meses com chuva, vento, etc, a tarefa era mais leve, pois não estava dura.

A terra era lavrada atravessando os regos que tinham sido feitos na decrua e na estravessa por norma de forma enviesada. É que se a travessa fosse feita a 90º relativamente aos regos da decrua e estravessa  para além de ser mais difícil para o homem e animais não se conseguia uma remoção tão uniforme. De qualquer modo, depois da travessa aqueles regos ficavam todos desfeitos.

Na Travessa  lavrava-se  com arada miúda a terra que tinha já sido lavrada duas vezes.Lavrar miúdo é fazer com que cada rego seja executado de tal modo perto do anterior que a terra que se revolve tapa-o quase completamente  deixando uma pequena goma. Fácil é perceber que esta tarefa demorava mais tempo que as anteriores, mas por outro lado era mais fácil quer para o homem quer para os animais, pois a terra já estava amolecida com as anteriores fases.

Era na travessa, quando era feita cedo, no fim da primavera que se aproveitava também para semear em terras mais “fortes” o milho de sequeiro que apenas se utilizava, em Setembro, para os animais comerem quando se estava na sementeira.
A Estravessa
  2.4 – Gradear

Em fins de Setembro e Outubro é altura de dar a ultima volta à terra antes de a mesma ser semeada.
Esta volta já não consistia em lavrar mas sim em alisar a terra que tinha sido lavrada anteriormente, por forma a permitir a sementeira.

A terra era alisada pelo menos por duas razões: Por um lado, ao revolver a camada superficial com o alisamento feito pela grade lisa provocava novo arejamento, já que como se disse a terra tinha sido traçada e estava em sulcos de dimensão não muito pronunciada.
Por outro lado, a terra era alisada para garantir que a distribuição da semente que se iria espalhar era o mais possível uniforme. Se a terra não estivesse lisa, à medida que fosse espalhada a semente  esta teria naturalmente tendência para escorregar para o fundo dos regos acumulando-se aí e deixando a zona das gomas sem semente.
Por tudo isto e para garantir a uniformidade na distribuição da semente a terra era alisada.

Se a ceara era muito grande, não se gradeava tudo, apenas a parte que se conseguia semear naquele dia ou no seguinte. Como estas tarefas deviam ser efectuadas em curto espaço de tempo não era muito invulgar haver uma junta de vacas a gradear e outra depois a lavrar semeando, tendo de permeio o semeador a espalhar o grão.
O gradear era efectuado ou com uma pedra em cima da grade virando esta com os dentes para cima como se vê na imagem abaixo
Gradear
ou, com o lavrador com os pés em cima da grade, com uma das mãos a segurar o rabo de uma das vacas e com a outra segurando a aguilhada para orientar os animais.

2.5 – Semear

Para semear o centeio havia várias operações que se tinham que realizar. Desde logo era preciso espalhar a semente. E espalhar a semente num espaço grande como por vezes acontecia requeria que se tivessem certos cuidados para garantir a tal uniformidade possível na distribuição do grão na terra.

Colocavam-se por exemplo, marcas delimitadoras de zonas que um homem podia garantir o espalhar do grão, deslocando a mão cheia para um e outro lado â medida que avançava de pé pela terra adiante. As marcas podiam ser ramos espetados no chão, que agora estava mole, ou mesmo pedras de pequena dimensão colocadas umas em cima das outras.

Espalhado o grão, era altura de iniciar a sementeira, lavrando agora grosso. Lavrava-se grosso na sementeira para garantir que o grão ficava enterrado e mais ainda para garantir que ficava na parte mais elevada das gomas, embora coberto de terra. No fundo este tipo de arada formava as gomas de forma a terminarem em triângulo e por isso garantia que nos regos não ficava grão e que este era enterrado nas gomas por força do revolver da terra com as aivecas do arado que aqui eram grandes.

Era uma altura em que os lavradores faziam juz à sua habilidade maior ou menor para produzir regos perfeitos e direitos, originando, quando isso acontecia, verdadeiras obras de arte agrícola que se mantinham até à ceifa. A forma como cada um mostrava a sua ceara denotava maiores ou menores atributos para a execução daquela tarefa e até era, por vezes, motivo de vaidade e orgulho, e de comentário entre todos, sempre.
Seara Semeada

Quando a dimensão da ceara originava regos com uma dimensão apreciável era necessário prevenir as invariáveis chuvadas que chegariam no inverno e por isso se faziam verdadeiras obras de hidráulica nas cearas para evitar o desmoronar dos regos e o estragar das cearas pelas enxurradas. É evidente que estas alterações na forma de lavrar as cearas nada têm de especial e não existe uma receita para as distâncias em que devem ser executadas, dependendo de vários factores que o lavrador melhor que ninguém conseguia avaliar em cada caso: comprimento dos regos, inclinação do terreno, pluviosidade do local, consistência da terra, etc.
Bem mas em qualquer circunstância, e com uma dimensão dos regos na ordem da centena de metros era sempre necessário fazer regos que atravessavam os primeiros e conduziam a água para local adequado e que não danificasse a ceara. Aliás, quem quisesse ver o que acontecia se assim não procedesse só o via uma vez pois na seguinte fazia-o.
Quando a água das primeiras chuvas aparece, com o centeio ainda muito pequeno é evidente que cada rego se transforma num pequeno rio. Se o rio não for interrompido quando a água chega ao fim a sua quantidade é tal que provavelmente destrói os regos
Essa a razão fundamental para tal procedimento.
JFernandes (Pailobo)
(continua….)