2.1- A DECRUA
A preparação da terra para a
sementeira das cearas é um processo que demora por norma um ano com a
sobreposição casual de algumas tarefas duma fase com a outra.
Isto é, está a semear-se uma
tapada e, na mesma altura, noutra parcela de terra está a lavrar-se a primeira vez a terra para começar a prepará-la para no próximo ano poder
ser semeada.
Quando se lavra a terra pela
primeira vez num ano com a finalidade de ela ser semeada no próximo, o trabalho
e esforço realizados são grandes principalmente se essa tarefa ocorrer, o que
não é vulgar, antes das primeiras chuvas. Aí a terra está muito dura, pois não
é mexida pelo menos há um ano. Isto é: nos solos pobres da beira interior, é
necessário que as terras, depois de cada cultura de sequeiro por norma centeio,
cevada ou mesmo trigo descansem pelo menos um ano. Trata-se de permitir que
sejam adquiridos de novo pela terra os nutrientes necessários para que a futura
cultura possa ter algum sucesso.
A essa tarefa de lavrar pela primeira vez a terra chamava-se
a “decrua”. A decrua era assim a transformação da terra que estava crua, dura,
noutra coisa menos crua.
Imagens da decrua |
Terra decruada |
Quando a decrua ocorria depois das primeiras chuvas, a terra já se encontrava húmida e pois isso mais fácil de realizar a tarefa. Mas mesmo assim a terra tinha assentado fruto de um ano de descanso ou poisio. Se porventura ainda não tinha chovido a tarefa era mais dura quer para os animais quer para as pessoas que conduziam a tarefa.
Na decrua não se lavrava a terra
de forma miúda, mas sim grossa. Isto quer dizer que não ficava totalmente
revolvida a ceara. Lavrava-se grosso. Lavrar grosso consiste em abrir sulcos na
terra separados o suficiente para formar umas mini-montanhas longitudinais a
que se chamam gomas e deixar os regos abertos.
A razão principal, tanto quanto sei tem a ver com o facto de, ao lavrar
grosso e se deixar os regos abertos consegue-se decruar mais terra no mesmo
tempo do que se estivesse a lavrar miúdo.
Por outro lado acabava por não
haver total remoção da terra desse campo nesta tarefa o que permitia que, com o
inverno a terra não removida ficasse ela própria mais mole pois passava a ter
as duas zonas laterais de cada goma expostas quer à chuva quer ao vento e ao
frio.
Nos casos em que se decruava um
terreno que dois anos antes tinha tido centeio, aproveitava-se para fazer a
decrua desfazendo os regos ainda existentes mas meio estragados o que
facilitava a tarefa pois a medida da largura dos regos estava definida à
partida. Neste caso os regos eram feitos pelas gomas que se transformavam em
regos e os regos ficavam transformados em gomas depois de duas gomas
consecutivas terem sido lavradas.
A decrua era uma tarefa que era
realizada no outono e inverno por razões que todos percebemos. Quem não
perceber experimente a decruar um terreno em Julho ou Agosto e não terá dúvidas
qual a melhor altura do ano para decruar, isto para além de, como se disse as
terras terem momentos próprios para ser mexidas directamente ligados com o
ciclo anual das sementeiras.
Não faz por exemplo sentido
lavrar um terreno pela primeira vez em Setembro e semeá-lo em Outubro. No caso
de haver dúvidas experimente-se.
As tarefas do mundo rural, quase
todas têm razões próprias para serem feitas
desta ou daquela maneira, neste
ou naquele tempo, razões que têm sempre a ver com a produtividade e com o
esforço dispendido.
Continua…..